As influências da Reforma Protestante na ciência moderna
Os reformadores protestantes defendiam que todos os fiéis deveriam ter acesso direto à Bíblia, o que estimulou e de fato promoveu a alfabetização de grande parte da população.
A Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero em 1517, trouxe diversas mudanças não apenas nos campos teológico, religioso e social, mas também influenciou definitivamente a ciência tal qual a conhecemos hoje. Vamos explorar alguns pontos principais impactados pela reforma protestante que teve como dia marcante o dia 31 de outubro de 1517, pois foi neste dia que o monge agostiniano Martinho Lutero fixou suas 95 teses na porta da Abadia de Wittemberg na Alemanha.
Os reformadores protestantes defendiam que todos os fiéis deveriam ter acesso direto à Bíblia, o que estimulou e de fato promoveu a alfabetização de grande parte da população. O incentivo à leitura e ao estudo fez com que a educação se expandisse, estabelecendo as bases para um ambiente mais favorável ao desenvolvimento intelectual e científico. Universidades protestantes, como as fundadas em territórios luteranos, tornaram-se centros de saber, onde o estudo das ciências naturais ganhou relevância. O próprio conceito de escola gratuita e acessível a todos origina-se a partir deste conceito e desta demanda promovida pela igreja reformada. “Uma igreja, uma escola” tornou-se um lema fundamental na expansão da fé reformada, visto que à época o ensino para as crianças era neglicenciado pelos pais, por não ter uma função objetiva e prática na lida do dia-a-dia e, tampouco, era interessante para o estado e para a igreja que de fato detinha as condições de levá-lo a êxito. Também é importante levar em consideração, que uma população iletrada e inculta é mais facilmente dominada pela imposição de ideias e conceitos sobre os quais não tem acesso de forma independente.
Neste mesmo sentido, a Reforma Protestante enfraqueceu a autoridade central da Igreja Católica, permitindo maior liberdade e autonomia de pensamento. Esse movimento de questionamento também afetou a visão de mundo em relação ao conhecimento, pois ao romper com dogmas religiosos que limitavam o estudo científico, os reformadores criaram um ambiente no qual o questionamento e a investigação científica podiam prosperar. Não podemos negar os avanços científicos que de fato aconteceram durante a Idade Média, pois este conceito foi desenvolvido pelo Iluminismo francês, afim de diminuir ainda mais a importância da Igreja, e valorizar os novos tempos prometidos por este movimento. De qualquer forma, o estudo científico proposto e possível sob a cosmovisão reformada vem desaraigado de travas dogmáticas, propondo que a busca pela verdade não deve estar submetida a pré-conceitos (no sentido literal do termo) criados de forma religiosa e baseada em dogmas.
E por falar na quebra de dogmas, o reformador João Calvino traz um conceito inovador e também transformador, que é a ideia do "sacerdócio de todos os crentes" e a ênfase sobre a vocação em todas as áreas da vida, incluindo o trabalho. Este conceito abre as portas para uma vida profundamente cristã não apenas dentro das quatro paredes do templo, mas diluída em todas as dimensões da vida humana. Estamos falando aqui de transformação real de caráter e prática de vida, obedecendo princípios cristãos não apenas de forma litúrgica. Este conceito contribui e incentivou a busca de um aprofundamente no conhecimento em todas as esferas, incluindo a ciência. A ideia de que qualquer ocupação honesta poderia glorificar a Deus deu legitimidade à pesquisa científica como um chamado digno e divino.
Os reformadores, particularmente os calvinistas, acreditavam que Deus criou o mundo de forma ordenada e racional, o que inspirou uma visão de que a natureza poderia ser estudada e compreendida sistematicamente. Essa perspectiva foi fundamental para o desenvolvimento do método científico. Muitos cientistas protestantes, como Johannes Kepler, Robert Boyle, Blaise Pascal, Isaac Newton ou Leonhard Euler viam o estudo da ciência como uma maneira de entender melhor a criação divina e seu propósito. De fato podemos observar um avanço impressionante da ciência nos países de tradição reformada nos séculos XVI e XVII, além do avanço nas ciências humanas, como o direito e a política. É importante ressaltar que antes da reforma, estes países eram muito menos desenvolvidos que os países de forte tradição católica, como Espanha, França e Itália. O homem do norte da Europa era visto como bárbado, comedor de carne crua e com hábitos totalmente brutais em relação ao homem das cidades de tradição latinizada.
E por falar em Latim, com a tradução da Bíblia e outros textos para línguas vernaculares, a princípio o alemão, houve uma ampliação dramática no acesso ao conhecimento. Esse movimento também se expandiu para outros campos do saber, como a ciência, permitindo que um maior número de pessoas tivesse acesso a ideias científicas que antes estavam restritas a uma elite acadêmica e mesmo religiosa. As missas celebradas em latim, inacessível ao povo, deram lugar a cultos e reuniões de ensino no idioma do povo, impactando o desenvolvimento da população e da cultura. Este resultado da Reforma Protestante é tão importante, que a própria consolidação das estruturas gramaticais do idioma alemão advém deste período.
Em regiões protestantes, muitas escolas e universidades foram fundadas para formar pastores e ensinar uma ampla gama de disciplinas, incluindo a matemática, astronomia e física. Essas instituições formaram gerações de cientistas que contribuíram para o progresso científico nos séculos seguintes.
Apenas como exemplo prático deste impacto, podemos citar o bispo moraviano, Iohannes Amos Comenius, que produziu o primeiro tratado sistemático de pedagogia, a Didática Magna. Este documento traz o conceito de que a educação deve contemplar três áreas: a “instrução”, que seriam os conteúdos propriamente ditos, a “virtude”, que são as habilidades que podem ser desenvolvidas, e a “piedade”, que são as atitudes baseadas nos princípios cristãos. Essa visão prega que a educação deve considerar o educando e enxergá-lo como um ser integral em todas as suas dimensões: intelectual, moral e espiritual.
Estima-se que antes da Reforma existiam cerca de 60 universidades, algumas com mais de 400 anos de existência, e restritas à formação do clero ou, no máximo, de filhos de governantes. Foi após o movimento reformista que as portas foram das escolas e universidades foram abertas para a população, com grandes universidades sendo criadas por cristãos reformados, como a Universidade de Yale, em 1640; a Universidade de Harvard, em 1643; a Universidade de Princeton, em 1746; e a Universidade Livre de Amsterdã, em 1881, reforçando o lema “uma igreja, uma escola”.
A Reforma Protestante teve um impacto significativo ao promover a educação, estimular o pensamento crítico e criar um ambiente propício à pesquisa científica livre, elementos fundamentais para o avanço da ciência moderna.
Marcio Scarpellini é Pastor, Administrador de Empresas, Pedagogo, Cientista Social, Pós-Graduado em Educação, Política e Sociedade, Antropologia, Neurologia Aplicada à Aprendizagem, Psicanálise e Ciências da Religião. Diretor Escolar, professor e palestrante, é casado há 20 anos com a Patrícia e pai do João Pedro e da Manuella.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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