A Bíblia, um dos livros mais antigos e lidos de todos os tempos, pode ser
atualizada para se adaptar às mudanças da sociedade? A questão foi analisada
por pastores e teólogos procurados pelo Guiame, que em conjunto destacam que,
embora seja um livro de mais de 3 mil anos, apresenta princípios
imutáveis nos dias atuais.
De acordo com o pastor Carlito Paes, mestre em Teologia, escritor e
líder da Igreja Batista da Cidade, em São José dos Campos (SP),
a Bíblia não é um livro humano que precisa de atualização, assim como livros
puramente técnicos que ficam ultrapassados ao longo do tempo.
“As páginas da Bíblia não são sobre o passado. Elas continuam
escrevendo a história. Elas são atemporais. Elas trazem à existência
aquilo que ainda não aconteceu. Tem registros na Bíblia que serão
alcançados por pessoas que ainda nem nasceram. Não é a Bíblia que
precisa ser atualizada, o homem que precisa se atualizar na Bíblia”, destacou Paes.
O pastor lembrou ainda das palavras de Jesus nos Evangelhos:
“Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão” (Marcos 13:31).
“Apenas a Bíblia é capaz de narrar eventos futuros, porque quem a
escreveu já está lá. Não se pode atualizar o que é eterno. A Bíblia
não está sujeita ao tempo. Como Palavra de Deus, a Bíblia está fora do
tempo e reflete o caráter eterno de quem a escreveu”, esclareceu Paes.
O pastor Paulo Eduardo Vieira, da Primeira Batista de São Paulo, concorda.
Ele afirma que a Bíblia é um livro de verdades eternas e seus princípios
são propostos por Deus de forma permanente para o homem.
“Tais princípios não podem ser relativizados, conforme o contexto cultural e de
acordo com o momento da história. Definitivamente não! Não são as
mudanças sociais que devem determinar o modo como lemos a Bíblia,
mas a Bíblia sim, que deve definir o modo como enxergamos as mudanças sociais.
O nosso referencial absoluto não é o contexto social. O nosso referencial
absoluto é a Bíblia”, explica Vieira.
“Praticar esta inversão é desastroso. Nos arremete para distorções
teológica trágicas, o que acaba sendo praticado quando se tenta ajustar a
Bíblia a um modo de pensar que seja o ‘politicamente correto’.
A história da Igreja de Cristo nos adverte solenemente. Todas as vezes
que este erro terrível foi cometido, a Igreja se tornou estéril, sem autoridade
espiritual, esvaziada de unção, destituída de uma proposta contundente de
transformação de vida a ser experimentada pelo homem pecador”,
acrescenta o pastor da PIB.
Pastor Paulo Eduardo Vieira, da Primeira Batista de São Paulo. (Foto: Paulo Eduardo)
Segundo o pastor Israel Belo de Azevedo, mestre em Teologia, doutor
em filosofia e líder da Igreja Batista Itacuruçá, no Rio de Janeiro, se há
alguma atualização a ser feita nas Escrituras, as adaptações são pertinentes ao
campo da linguagem.
“O que nós precisamos atualizar é a nossa tradução. Há palavras que as
pessoas hoje não compreendem. Temos que atualizar a nossa compreensão.
Há metáforas que hoje as pessoas não entendem”, explica Azevedo,
que é autor de vários livros, inclusive a Bíblia Sagrada Bom Dia, publicada
pela Sociedade Bíblica do Brasil (SBB).
“A Bíblia foi um livro em que Deus nela se encarnou, por isso usou idiomas
como hebraico, aramaico, grego, para que Deus se comunicasse. A tarefa
permanece. Então hoje, para que essa Bíblia nos comunique a vontade perfeita,
boa e agradável de Deus, nós temos que traduzi-la de modo que as pessoas
entendam, explicá-la de modo que as pessoas compreendam e haja então um
encontro dos universos de significação do texto bíblico com a nossa realidade”,
esclarece.
Verdades eternas ou ideologias temporais?
Os pastores avaliam que se por um lado a Bíblia apresenta verdades imutáveis,
a história humana é marcada por evoluções sociais, culturais e econômicas que
afetam a visão de mundo do homem.
Para o pastor Carlito Paes, isso é reflexo da chamada “geração da liquidez”,
um conceito do sociólogo polonês Zygmunt Bauman que compara a sociedade
moderna a um líquido, sem forma definida, sem consistência e que muda de
estado rapidamente.
“Por isso, para muitos dessa geração, não existem verdades absolutas e
aplicáveis a todos, mas cada um tem a sua própria verdade. Algo também que
aparentemente não é exclusivo dessa geração. O povo de Israel já viveu um
período parecido com esse: ‘Naquela época não havia rei em Israel; cada um fazia
o que lhe parecia certo (Juízes 21:25)’”, lembra Paes.
É neste contexto que a teologia liberal se espalha, ganhando força
especialmente no século XXI, aparentando ser “inovadora e adequada
para esse tempo”, segundo o pastor.
“O liberalismo teológico busca provocar uma interpretação relativa a
respeito das Escrituras Sagradas, tentando desconstruir toda teologia fechada.
Ao negar a inerrância e a inspiração das Escrituras, em alguns casos
elegendo alguns textos da Bíblia como mais relevantes do que outros,
eles argumentam que as Escrituras foram feitas por homens limitados ao seu tempo”,
observa Paes.
O pastor Israel Belo de Azevedo avalia que embora a realidade seja vista
numa perspectiva aparentemente isenta, há sempre uma visão ideológica.
“De um lado, uns preconizam um conjunto de causas, de outro, um outro
conjunto, e cada um deseja que a Bíblia autorize o seu modo de pensar, seu
modo de ser, seu modo de viver, seu modo de fazer isto ou aquilo no campo moral,
no campo político, no campo científico”, afirma.
“É bom que também entendamos que a sociedade, por natureza, tende a se
expandir no sentido de tornar práticas um dia consideradas reprovadas em
práticas aceitáveis ou até mesmo recomendáveis. A questão é que, no passado,
algumas partes da Bíblia lidas sem um princípio hermenêutico essencial, foram
utilizadas para legitimar as práticas de então”, Azevedo continua.
Um dos princípios hermenêutico defendidos por Azevedo é a diferenciação
entre os conceitos de norma e princípio. “A norma muda, o princípio é imutável”,
explica. “A norma é a maneira como o homem compreende o princípio que é divino”.
Um exemplo citado por ele é a ideia de que os cristãos devem se reunir
exclusivamente nos lares, a fim de seguir o modelo da Igreja Primitiva. “Ora,
era nos lares porque não havia templo, era nos lares porque era a única
maneira das pessoas se reunirem, era nos lares porque as pequenas cidades
com 5 ou 6 mil habitantes tinham essa configuração. Hoje é diferente”, ilustra.
“Hoje você pode ter um templo com 100, 1.000, 10.000 pessoas. Não é esta a
questão. Então uma igreja que se reúne no templo não está sendo contra o
Novo Testamento. O princípio é a reunião, a adoração e o serviço.
Se é em uma casa com 10 pessoas ou em um templo com 10.000, o
princípio não mudou”, continua.
Neste caso, a norma daquele tempo seria ter os lares como pontos de encontro,
mas o princípio seria a reunião entre cristãos. “Aquilo que foi norma nós
podemos deixar de lado”, explica o pastor. “Mas eu entendo que os
princípios da Bíblia são princípios eternos, que demandam um certo grau de
estudo e conhecimento para não ficarmos apenas nos versículos. Porque
nem sempre a nossa compreensão deles faz justiça ao seu todo”.
É possível adaptar a Bíblia a comportamentos modernos?
Questionado se acredita que a Bíblia é uma verdade absoluta e literal
diante de debates modernos, o pastor Paulo Eduardo expõe sua preocupação
diante de “tentativas de se legitimar à luz da Bíblia pecados e
transgressões como sendo comportamentos naturais e não pecaminosos”.
Ele observa ainda que muitos pregadores tem feito verdadeiros
contorcionismos teológicos e hermenêuticos para defender uma mensagem de
acolhimento superficial.
“Respeitamos e acolhemos todos, indistintamente, com amabilidade e
honradez e afeto. Mas a Bíblia é veemente ao afirmar que o homem é pecador,
e que precisa ser confrontado com o seu estado de transgressão, a fim de
que se arrependa e experimente redenção em Cristo. Homossexualidade,
racismo, adultério, corrupção, desrespeito ao próximo, lascívia, são pecados a
serem confessados em atitude de contrição e arrependimento diante de Deus,
que é amoroso, mas também é justo e santo”, afirma.
O pastor Carlito Paes observa que a desconstrução das verdades bíblicas não é
algo exclusivo dos dias atuais e que é preciso interpretar as Escrituras Sagradas
pela cosmovisão da revelação divina, e não humana.
“A Bíblia é a revelação de Deus. Já, a teologia é a interpretação da revelação.
Não podemos transformar teologia em revelação”, ele explica. “A Bíblia é do céu
para a terra. A teologia é da terra para o céu. Portanto, acredito que a Bíblia
como revelação de Deus é uma verdade absoluta. A reflexão teológica é
muito importante, mas precisa ser avaliada pela Bíblia e não o contrário”.
Pastor Carlito Paes, da Igreja Batista da Cidade em São José dos Campos. (Foto: Carlito Paes)
Por outro lado, Paes acredita que é preciso ter cautela quando se trata da
literalidade da Bíblia. “Em muitos momentos veremos textos com narrativas
históricas, com a utilização de metáforas e tantos outros recursos de linguagem
para poder expressar a ação de Deus em uma realidade específica. Isso não
significa dizer que a Bíblia precisa ser atualizada, mas que precisamos
compreender o contexto dos textos”, avalia.
Ele acrescenta: “É necessário utilizar-se dos princípios da exegese e da
hermenêutica para se alcançar os valores eternos do Pai. O papel de ambas
ferramentas, não é produzir uma nova Bíblia, mas extrair as verdades
eternas de Deus na Palavra. Deus é imutável e sua Palavra também”.
Ainda se tratando de hábitos aceitáveis pela sociedade, Paes reforça que “o
comportamento do homem se ajusta às Escrituras e não o contrário”.
“Tentar escrever uma nova bíblia para produzir respostas que se adequam à
pressão dessa geração, é como ter um bote salva-vidas com o casco
completamente furado”, ilustra.
O pastor Israel observa a mudança deve acontecer no homem, não nas Escrituras.
“Na verdade, a Bíblia deveria dizer à sociedade como se comportar”, disse ele.
Por outro lado, ele questiona se aqueles que não tiveram esta revelação
são obrigados a viver de acordo.
“Eles não crêem em transcendência nem na palavra divina. Eles devem
ser obrigados a viver como nós achamos que nós devemos viver? Os
princípios que adotamos para nós devem ser impostos aos outros que
não creem? Essa é uma pergunta que talvez seja a mais importante a
se fazer nesse contexto e nos ajuda a responder diversas questões”, observa.
Todos os filhos de Deus?
O pastor da PIB de São Paulo ensina que os filhos de Deus, segundo a Bíblia,
são os que reconhecem em Cristo o caminho, a verdade e a vida. “Tentar distinguir
o seguir a Cristo da busca por viver os princípios eternos que encontramos
na Bíblia, é fruto de um esforço de se adaptar a mensagem de Cristo a uma
cultura hedonista, que indispõe o homem a ser contrariado”, afirma Paulo Eduardo.
“O prazer, a satisfação pessoal, são absolutos incontestáveis, segundo a
cultura de nossos dias. Neste ambiente, expressões como pecado, necessidade
de arrependimento e mudança de vida, transgressões que ofendem a Deus,
se tornam excessivamente conservadoras e descabidas. A tentativa de
apresentar o evangelho destituído da necessidade de arrependimento e
mudança de vida, na verdade é uma mutilação da mensagem de Jesus Cristo”,
acrescenta. “Ele disse à mulher flagrada em adultério: nem eu te condeno.
Porém, não exitou em adverti-la: mas vá, e não peques mais!”
O pastor Carlito explica que “Deus criou o homem para ser filho da mesma
forma que Deus não deixou de ser pai. Entretanto, a humanidade pós-queda
vivenciou e vivencia o amargo sabor da orfandade”.
Por isso, ele esclarece que, sem Jesus, não há possibilidade de desfrutar
da herança de viver como filhos amados de Deus. “A filiação do homem não
está fundamentada na sua ação, mas na obra completa de Cristo, que por
meio da fé e por causa da graça a alcançamos. Quem lê e pratica as
Escrituras de forma fiel e piedosa, amando a Deus e as pessoas, seguindo
as Palavras de Jesus vai se manter sempre atualizado”.
Ele também refuta o pensamento de que há diferença entre ser seguidor da Bíblia
e ser seguidor de Cristo. “A Bíblia é inteiramente a Palavra de Deus.
Não podemos seguir uma voz diferente das Escrituras e achar que vamos
chegar no mesmo destino. É impossível ser seguidor de Jesus sem ser
seguidor da Bíblia. Em cada página e em cada palavra repousa o poder
das palavras liberadas por Deus ao homem”, destaca.
“Se Jesus Cristo é o logos, nós diminuímos a revelação de quem Ele é
desconsiderando o poder das profecias que anunciaram a Sua vinda.
O diminutivo de Jesus Cristo estaria em diminuir qualquer palavra das Escrituras.
Como diz João: ‘Se alguém tirar alguma palavra deste livro de profecia,
Deus tirará dele a sua parte na árvore da vida e na cidade santa,
que são descritas neste livro (Apocalipse 22:19)’”, finaliza.
Fonte: Guiame Gospel